MERCADO DE LEITURAS

 

 

    O Brasil se tornou um grande mercado de leituras, não um país de leitores. A palavra "mercado" é feia, e "leitura", genérica demais. Mas, no cabível da frigideira, estralam fatos. E ler — a vocação confessa do termo "leitura"— é talvez o menor dos desejos interpretativos de numa sociedade constrangida a ler toda a sorte de estímulos visuais. 

    O sentido de infindáveis frases de duplo sentido e inúmeras estruturas elementares de significação é subentendido por muito brasileiro safo nas discussões e nos enquadramentos dos fatos. Mas esse mesmo falante pode empacar na interpretação de enunciados simples (e isso inclui leitores tarimbados, universitários e secundaristas).

    Somos safos na interpretação e também exercitamos pouco o reconhecimento da entrelinha.

    Somos um país de linguagens sofisticadas e um país em que não basta desnudar os discursos maliciosos, mas simplesmente fazer entender os discursos.

    Somos seres anfíbios, nem muito à terra, nem muito ao rio.

    É como se tivéssemos sido sobrecarregados pelas “perguntas de copiação” das piores escolas.

    De copiação: questões banais que Luís Antonio Maruschi, da UFPE, lembra serem feitas na própria ordem em que o texto se apresenta, e a que basta decalcar o trechos que equivalem às perguntas  (na linha: “Como se chama a menina?”; “Que bichinho ela tem?”; “Ela gosta do bichinho?”, exemplifica Ingedore Koch, da Unicamp).

    Para interpretar não basta identificar o conteúdo da mensagem, comparar a finalidade com seu público, verificar o contexto. É preciso reconhecer quando estão sendo irônicos ou hesitantes, perceber quando algo foi omitido de propósito, intuir a intenção.

    Podemos ler em grupo, perguntar a cada um o que entendeu, confrontar interpretações. Podemos pesquisar sozinhos e fisgar uma pluralidade apenas possível pelo conhecimento aprofundado de uns e de outros. Mas não podemos, jamais, nos contentar com a ideia de que se letrado basta para fazer de alguém um cidadão.

 

LUIZ COSTA PEREIRA JUNIOR

Jornalista, doutor em filosofia e educação pela USP, é criador e editor da revista [1]Língua Portuguesa.

 

Fonte: Revista Língua Portuguesa, Ano 9, número, 98, Dezembro de 2013, p.4

 

 

 

 

 

 



[1] Uma revista jornalística, que fala do idioma em todo o seu alcance e dimensão: sua herança, mas, principalmente, sua atualidade. Questões atuais desencadeadas pelo modo como usamos as palavras; casos em que uma expressão vira o centro do debate;  o manejo da língua em situações do cotidiano, nas mais diversas situações e profissões. https://revistalingua.uol.com.br/